“Olhaste para mim hoje. E viste-me. Os teus olhos surpreendidos pela surpresa do sorriso dos meus. Os meus olhos que te sorriram pelas tréguas que o coração declarou, num ultimato que se tem repetido no tempo.
Tu, desprotegido, numa solidão de nudez. Eu, segura, numa outra solidão que me faz forte. A minha solidão e a tua, unidas, durante algumas gotas de tempo, para deixarem de ser solidão e passarem a ser nada. Nada para além de mim e de ti, dois eixos unos de cosmos que se alinharam num só momento, por piedade ou por acaso, já não importa.
Ao choque que te causou o meu atrevimento seguro, seguiu-se o teu sorriso. Tímido e logo universal. Invadindo todo o espaço, sé eu e o teu sorriso.
E os teus olhos… Olhos que eu havia perdido num tempo que já não é hoje nem vai ser amanhã. Olhos que eu havia perdido num tempo que já foi. Olhos que tenho encontrado vazios, frios, inertes, como duas estampas sobre o lugar onde antes viviam dois relâmpagos de água.
Senti-os de novo hoje, como tesouro encontrado quando já não se procura. Confiaste-me os teus olhos e eu soube acolhê-los nos meus, com a simplicidade que um tesouro merece.
Viste-me hoje, como pela primeira vez. Como fazias todos os dias no tempo que já não é tempo. E é mesmo a primeira vez que me vês. Porque eu não sou a mesma.
Mas tenho o meu olhar guardado em ti, seguro por não saberes que o tens contigo. Entrega-mo quando o tempo determinar que hoje é um bom dia para me devolveres o coração.”
Hoje foi um bom dia… porque não há noite tão longa que não veja o Sol nascer.