quinta-feira, agosto 07, 2008

A caixa de guardar corações

Era grande a curiosidade em conhecer o Bruxo. Em saber o que era exactamente um bruxo. O que fazia. Que formas assumia. Qual o seu cheiro.
Não era raro ouvir a avó comentar com a mãe que "era melhor ir ao Bruxo", assim mesmo, em palavras sussuradas, quase transparentes. Outras palavras usava o pai quando socava a velha mesa de madeira e, com o seu hálito embriagante, exigia que se comesse em silêncio. Palavras roxas, nauseabundas, que cresciam e se alimentavam de luz.
Numa noite corajosa decidiu-se a conhecê-Lo. Deixou as sandálias rotas no quarto e mediu cada passo no soalho ruidoso da casa até sentir nos pés o bafo da terra quente do quintal.
Andou devagar e sem tempo até encontrar uma porta entreaberta. Na divisão abatida, pequena, vazia, só um homem sentado numa esteira. Não, não era o bruxo. Era um velho, muito velho. Cansado. Sozinho.
Disse-lhe "Chegaste" e o menino não compreendeu. Com as mãos senis estendeu-lhe uma pequena caixa de madeira. Escura. Gasta. Velha. Pesada.
"O que é?" perguntou o menino.
"É uma caixa de guardar corações. E é aí que vais levar o meu".