terça-feira, julho 18, 2006

Pedra

O dia estava cor de nevoeiro e no ar mais não havia do que uma música de framboesa. No centro da praça uma estátua de pele, osso, sangue e coração. Estátua mais por hábito do que por vocação, tinha a textura da pedra e cheirava a tempo.

Sentado à sombra da estátua, todos os dias o louco da vila, solene na sua insanidade, babava e gritava a mesma história da mulher que, delirante de amor por um caixeiro-viajante, prometera a si mesma esperá-lo para um dia consumarem o nobre sentimento. O viajante, ignorante dos desvarios amorosos da mulher que só vira algumas vezes por inerência da profissão, nunca lhe havia falado dos sete filhos e da casa quente que também o esperavam no final de cada viagem.

O louco continuava a sua história, já de pé e lançando cada vez mais longe as gotas de saliva. A mulher, esperando sempre, tinha-se tornado estátua, menos por magia do que por comodidade, e estava ali, diante de todos, no centro da praça.

Tentando parecer mais respeitável, o louco compunha com dedicação os vários pedaços de pano que lhe cobriam o corpo antes de prosseguir a sua narrativa, agora com um ar mais ridículo do que antes. Em tom profético anunciou que no dia em que o viajante voltasse, a estátua ia desaparecer e só assim todos os habitantes da vila iam acreditar que ele não era louco.

Um dia amanheceu e a ladainha do louco já não era a mesma. Gritava, desesperado, que a estátua tinha desaparecido. Os poucos que lhe deram ouvidos deitaram um olhar rápido ao centro da praça e, vendo pedra no mesmo lugar, continuaram o seu caminho.

O louco da vila nunca deixou de ser louco, mas só os seus olhos viram que agora no centro da praça estavam sete estátuas pequeninas habituadas a esperar um pai que chegava sempre.