quinta-feira, novembro 29, 2007

De terra e de mar

Num arrebatamento de irreverência mais do que de cansaço cravou a enxada na terra seca e caiu de joelhos. Gotas de suor partiam desencontradas da fronte para se unirem silenciosas no maciço pescoço enrugado.
Com as mãos sujas, mãos de terra e de sol, cobriu os dois olhos de trevas. E nas trevas um barco pequeno e um mar revolto e uma luta justa com um magnânimo peixe e o encontro com as sereias e as solitárias conversas com o deus dos mares e a frescura de uma felicidade de sonho. Lá longe, no grande azul, o Sol já se punha.
A inoportuna consciência do trabalho por fazer acordou-o.
Mãos de terra e de sol no cabo nodoso da arrogante enxada. Um puxão. E nada. Outro. E a inércia. De costas vergadas pelo esforço, de olhos arregalados pela força, tombou. O torpor da enxada diluía-se nele. Deitado, fechou as pálpebras morenas e chorou. Vertia na terra o mar que sempre trouxe dentro de si.