segunda-feira, outubro 17, 2011

Boa noite

Respirou profundamente e marcou o número antes que a hesitação a paralisasse. A compaixão e a empatia existiam nela como um perfume, agradável aos outros mas que já não sentia. Mais do que acreditar, sabia da esdrúxula força que é o Bem e esse fardo toldava-lhe agora o julgamento sobre aquele impetuoso telefonema.

O toque ritmado não se demorou e uma voz determinada rapidamente se assomou à linha. Não deixou que o interlocutor terminasse. A queda de palavras interrompeu-o abruptamente, fresca, límpida, serpenteando em volta do seu sorriso.

Vivi hoje um dia esplendoroso. Ri, cantei, dancei e fui feliz como se neste dia se tivessem comprimido todas as gotas de tempo de todos os dias que me restam. Morresse eu amanhã e teria vivido o suficiente. A todos os seres humanos já foi dado viver, pelo menos, um momento de felicidade. Queria pedir-lhe que não se esquecesse disso e que vivesse uma boa noite. 

Desligou. Do outro lado, sobre as inúmeras secretárias, toque após toque, a noite prosseguiu, indolente. Só um imponente sorriso vibrava pela linha, chamada após chamada

112, boa noite.