terça-feira, abril 26, 2011

Noite

A lua ia alta e o homem jorrava impropérios desvairados e cambaleantes. Desvairada e cambaleante ia também a embriaguez terminal que levava na alma.

No percurso incerto que um pé traçava sem acordo do outro, viajava um inusitado propósito de atingir nas entranhas todos aqueles cujo imediato diagnóstico não fosse uma definida infelicidade. A cadela, sempre dois passos atrás, permanecia mulher cautelosa e envergonhada, entre o cuidar e o fugir.

O abalo do qual o homem era epicentro alargava-se na proporção dos decibéis e a força destrutiva era tão determinada que, em breve, não restava ninguém no passeio. Sentiu o arrepio quente da frustração e, fazendo-se onda sem praia, elevou uma tábua extraviada e assentou-a nas costas da cadela.

O lamento dela mal se ouviu. Foi o ganido dele que ecoou toda a noite pelas ruas da cidade civilizada.