quinta-feira, agosto 07, 2008

A caixa de guardar corações

Era grande a curiosidade em conhecer o Bruxo. Em saber o que era exactamente um bruxo. O que fazia. Que formas assumia. Qual o seu cheiro.
Não era raro ouvir a avó comentar com a mãe que "era melhor ir ao Bruxo", assim mesmo, em palavras sussuradas, quase transparentes. Outras palavras usava o pai quando socava a velha mesa de madeira e, com o seu hálito embriagante, exigia que se comesse em silêncio. Palavras roxas, nauseabundas, que cresciam e se alimentavam de luz.
Numa noite corajosa decidiu-se a conhecê-Lo. Deixou as sandálias rotas no quarto e mediu cada passo no soalho ruidoso da casa até sentir nos pés o bafo da terra quente do quintal.
Andou devagar e sem tempo até encontrar uma porta entreaberta. Na divisão abatida, pequena, vazia, só um homem sentado numa esteira. Não, não era o bruxo. Era um velho, muito velho. Cansado. Sozinho.
Disse-lhe "Chegaste" e o menino não compreendeu. Com as mãos senis estendeu-lhe uma pequena caixa de madeira. Escura. Gasta. Velha. Pesada.
"O que é?" perguntou o menino.
"É uma caixa de guardar corações. E é aí que vais levar o meu".

quarta-feira, abril 16, 2008

Por entre os dedos escapam-se-me tempo e omnipresença
Perdida algures entre os meus mundos, vivo em permanente estado de saudade

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Reinventar

Sentiu a pedra balançar no bolso e a mão deslizou pelo tecido para a encostar ao corpo. A mão na pedra. A pedra na mão. Não pensou em todas as outras pedras que já tinham caído do bolso no caminho. Em todas as que desapareceram da mão. Em todas as que esqueceu em bolsos maiores. A pele gasta por outras erosões tacteava agora esta pedra tão espantosamente igual às outras, tão inexplicavelmente diferente. Na memória da mesma mão ficaram marcadas reentrâncias, saliências, texturas dessa pedra: impressões digitais. Então envolveu-a e num movimento tão preciso como irreflectido, atirou-a para o chão, onde deixou de a distinguir de outras tantas pedras.

Pelo menos esta sei como perdi.