segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Raízes

Nascera naquela falésia sem saber como nem porquê. As gotas de água salgada que as ondas lhe traziam todas as manhãs já não a feriam. Recebia-as menos por obrigatoriedade do que por brincadeira. O cheiro a mar era tão forte que fez dele o seu perfume, sem nunca se questionar qual era o seu. Por ali não havia nenhuma outra flor, mas não havia solidão que a importunasse. No seu mundo era única e não perdia tempo a imaginar que pudesse haver outras com raízes, folhas, pétalas e caules iguais aos seus.
Um dia o vento trouxe-lhe um cheiro estranho. Cheiro acre de homem. Um passo, outro passo e logo uma mão áspera na sua corola e um nariz bisbilhoteiro encavalitado no seu cálice. Os anos avançados do senhor estavam assombrados com a visão de uma existência tão delicada num ambiente tão agreste. Achou-a a mais bela flor de sempre. Fez um buraco no solo que a acolhera durante tantos anos, retirou cuidadosamente as raízes e levou-a consigo.
Plantou-a no seu resplendoroso jardim, junto de tantas outras flores tão delicadas quanto intocáveis. A obesa mulher saiu de casa e num relance ditou a sua sentença: "Coisa mais feia! Não é uma flor, é uma erva daninha." E na verdade, mesmo aos olhos do jardineiro, junto das outras, a flor parecia mais feia, mais seca e definhada. Regou-a uma primeira vez e esqueceu-a.

Sempre foi a minha preferida pela personalidade forte, mesmo quando as pétalas foram caindo uma a uma no chão. Ouço um murmúrio que me diz que o cheiro a terra molhada a incomodava. Mas pode ser só alucinação trazida pelo mar, aqui, no mesmo sítio onde o meu pai a encontrou.