domingo, maio 29, 2005

A pensar em ti...

Ontem adormeci a pensar em ti... Hoje acordei a pensar em ti... Mas só ontem, e só hoje, porque para nós não há amanhã...Tu não sabes mas eu despedi-me de ti e do que tu foste para mim... Despedi-me rodeada por bancos de pedra que sentiram o calor dos nossos corpos abraçados num só, rodeada por flores que pressentiram cada batimento ousado de um coração que respira fundo, rodeada por árvores centenárias que podem esquecer-nos no peso de uma vida tão longa, mas que eternizam nos seus ramos de abraço um sentimento que não conhecem e não entendem. Rodeou-me o vento e juntou ao rio, que tantas vezes nos viu passar de mãos dadas, as lágrimas que já não conseguia derramar. Ouço o cair de outras lágrimas agora que eu parei de chorar. Mudas só as escassas folhas que já não moram no alto dos ramos. Quantas vezes atapetaram o chão que pisámos, para que o mundo nos parecesse sempre suave e seguro, feito à nossa medida... Mas o vento seguiu o seu curso e levou esse tapete mágico... Agora piso a areia, áspera, dura, fruto de uma erosão desoladora, tal como nós...A areia ergueu-se e construiu um muro tão triste como ela, que nos separa e nos separará indefinidamente. Mas junta a tua mão a esse muro, que eu farei o mesmo deste lado. E enquanto sentir um átomo do calor da tua mão na minha, mesmo que só com a imaginação, não digo adeus, mas até sempre...

Por todas a vezes em que procuro a nossa imagem, parada no tempo, por entre estas árvores...
Porque hoje tudo parece ganhar um novo sentido.

terça-feira, maio 24, 2005

Não te espero

Espero-te como quem não espera, perto desta árvore. Espero-te como quem não espera longe da sombra dos seus ramos para me envolver num abraço de luz. Espero-te como quem não espera onde os raios do Sol embalam a alma num sonho quente.

Espero-te mas é como se não o fizesse, porque quem espera tem a ansiedade de deixar de esperar. E eu estou serena e às vezes esqueço que podes chegar.

De olhos fechados não consigo ver-te. Não imagino os traços suaves do teu rosto nem sei qual é o toque dos teus lábios cor-de-rosa. No lugar dos teus olhos, duas pedras sem valor. Tem o brilho de um lago, mas não te reflectem, só me devolvem a minha própria imagem. Passo os dedos nos fios do teu cabelo cor de nada e entre os meus dedos só ar. De olhos fechados tu não és aparição.

De olhos abertos adivinho a melodia da tua gargalhada, sinto a frieza da tua mão numa manhã de Inverno, ouço o ritmo da tua respiração quando corres para mim, cheiro o teu aroma de mar revolto. De olhos abertos perco-me nas profundezas do que serás para mim.

Espero-te como quem não espera porque na espera há a esperança. E a esperança pesa porque não é mais do que o pessimismo disfarçado de ilusão. E eu não tenho esperança: sou feliz porque sei que virás.

Não te espero maduro ou carinhoso ou sensato. Não te espero perfeito. Já nem te espero…

E quando chegares podemos deitar-nos à sombra desta árvore. Porque o abraço do Sol vai ser tão pequeno.

domingo, maio 15, 2005

Abraço de mar

Se partires, não me abraces- a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota de um navio. Se partires não me abraces -

o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém- longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera que a dor desapareça.

Se me abraçares não partas.

Maria do Rosário Pedreira

segunda-feira, maio 09, 2005

Insónia

Esta noite adormeci quando a lua já se havia cansado de iluminar o céu. Invasores imaginários de recordações ocuparam a minha cabeça e o corpo, resignado, não pôde descansar.


Olho à minha volta e não sei para onde ir. Tento respirar fundo. Não consigo. O ar escasseia como a minha calma. A noite é quente, de um calor que sufoca, abafa, desespera. Quero andar mas sinto nas pernas o peso e a frieza de dois blocos de mármore. Fecho os olhos. Sussuro: "Estou sozinha". De novo. "Estou sozinha". O cerébro acena mas o coração faz a birra da negação. Não entende e por isso não aceita. Abro os olhos. Olho em volta. Manchas de rostos de tinta fresca a escorrer. Não são meus. Fecho os olhos. Sei que o coração já não chora. A expressão é vazia. Envelheceu na velhice precoce e amargurada de quem, por um momento eterno, ficou invisível e desapareceu do mundo.
Movo uma perna. Logo a outra. Não parece tão difícil assim. Vá, vai passar num ápice. Não passa. A mão suada que me segura o pulso com as veias a rebentar de pressão.Não conheço o teu toque.Quem és tu?Que medo tão profundo te faz abraçar-me contra a minha vontade?Tu nem sabes o meu nome. Poderás saber o verde dos meus olhos mas nada mais. Não sabes que a minha mãe me chamava pelos 2 primeiros nomes quando eu era pequena e fazia asneiras e eu não sei porque é que a tua mãe não te deu o abraço que tu procuras em mim.Não sabes que faço caracóis nos cabelos quando fico com sono e eu não sei porque é que procuras no álcool a serenidade que o sono te podia trazer. Não sabes quem são os que eu amo... nem nunca vais saber. "Não te deviam deixar sozinha.Eu não te deixo sozinha". O desespero de um abraço de prisão que me pareceu que ia durar até que os sentidos desistissem.Ou envergavas a força de mil montanhas nas correntes que formavas à minha volta ou eu fiquei com a fraqueza de uma pluma. Ou ambas. "Solta-me". É a única verdade que sai da minha boca. Tudo o resto é mentira. Engano-te. Tu sabes que eu não vou ficar perto de ti quando me deixares. Mas mesmo assim digo-to."Solta-me". E no que pareceu uma falha de atenção mas que se assemelhou muito a uma oportunidade piedosa soltaste-me.Não disse obrigada nem senti.Com a leveza da irracionalidade corri.Corri para perto de quem me abrigasse, para longe de ti. Não te quero ver mais porque és a face do que não quero sentir. "Sozinha..."; "sozinha...".


Desaparece e leva contigo essa verdade que não me deixa dormir.

domingo, maio 08, 2005

Quando as palavras não bastam

Desde o primeiro dia ansiei por estes momentos. Ao ouvir as vozes de negro esperava tornar-me numa delas e deixar de ver no chão o reflexo da minha face. Os primeiros dias… Caminhei sozinha por um corredor estreito, escuro de negro, ainda cambaleante porque me haviam levado uma parte de mim. Vozes de bocas desconhecidas, olhos que não me viam.

Sem que disso me apercebesse as vozes começaram a preencher-me, sorrisos tímidos foram surgindo e logo olhares que pousavam sobre mim. Olho à volta e já não estou sozinha. Agora só um espaço de luz a perder de vista e descobertas vestidas de negro e azul escuro. As faces já têm nomes, histórias, já são únicas no seu valor.

A união brotou com a naturalidade da água a correr, os laços apertaram-se na convicção de que jamais alguma das partes do todo ficará sozinha.

E assim chegamos ao fim de uma fase tão mágica: a fase da inocência, do idealismo, da descoberta. Agora impõem-se a maturidade e o bom senso que as vozes de negro nos ensinaram à sombra de uma floresta feita dos encantos dos que por lá passaram.

Trajar foi sentir-me grande em mim mesma. O bater dos sapatos em uníssono pela rua foi o bater do coração. A mancha negra espalhada pela Cordoaria foi o tamanho da saudade e da alegria. O primeiro acorde… E só ficamos eu, a minha madrinha e o manto da noite que me envolveu. As gotas de água brotavam do infinito e do céu dos nossos olhos numa bênção que pareceu celestial. Flutuei sobre mim mesma tal como o choro da guitarra enquanto sentia as mãos dadas numa só. Abracei dentro da minha capa, como dentro de mim, aqueles que fazem o coração respirar fundo.

Nasce o Sol, radiante para nos ver, e segue-se um momento em família. Unidos em corpo e alma os aplausos foram o som do orgulho por todos os que começam uma nova etapa. Cartolando e vestindo o bolso ou a pasta de azul escuro todos fomos vencedores.

Seguiu-se o cortejo. Um desfile de euforia, de orgulho. Gritos e canções de pulmões cheios de recordações e esperanças. Saltos que nos elevavam a um céu que nos acolheu de braços abertos. O Sol apresentou-nos luminosos à cidade do Porto e a sombra só nos cobriu quando a tribuna se aproximava. Sombra por fora e por dentro. O frio da reflexão, da introspecção, da recordação. A tribuna ficou para trás e com ela os momentos de t-shirt azul escura e mãos negras de terra, ásperas mas sempre estendidas.

Olhar para o passado nunca impede de imaginar o futuro e há coisas que permanecem na memória e no coração ou até mesmo no tempo quando ele decide ser piedoso. Os momentos e as pessoas levo-os comigo para sempre. Obrigada.