quinta-feira, junho 14, 2007

Pequeno Amor

Não era um grande amor nem sequer um amor assim-assim. Cheirava a água e nos passos trazia um som cor de cereja. Os pesados caracóis de canela pendiam em cachos sobre os olhos transparentes e nas mãos de pardal trazia uma romã.
A velha levantou os olhos do bordado e viu-o chegar. Quase delicado, quase cambaleante, cada um dos passos que o tornavam mais e mais próximo da postura ancestral da mulher deixava no chão de pedra uma marca de areia.
Quando pousou a mão sobre o ombro da velha que o tempo havia feito gruta, fê-lo com firmeza e com um sorriso ondulante que a fez lembrar a sua primeira e única viagem de barco.
O baloiçar da cadeira parou a um gesto dele. Com a sensualidade e o cuidado ternurento de quem despe a amada, ele abriu a romã. Trincou o interior rosado e o fruto pareceu ceder a um arrepio de carícia. Voltou a trincar, uma e outra vez, num prolongamento cruel do olhar cansado e atento da velha, pousado sobre os lábios e os bagos sumarentos.
Depois de segundos eternos os lábios dele selaram-se e, com ansiedade, estendeu-lhe o que restava do fruto gotejante. A frágil mão dela envolveu o pulso dele e empurrou mão e fruto com determinação. Não provou. Não ia sujar o bordado.

O ranger da porta havia já antecedido outro e outro e outro pequeno amor.