sexta-feira, setembro 16, 2005

A palavra

Era uma palavra saltitona, temperada, selvagem até. Fugia de boca em boca, da vontade dos que a queriam dizer para o embaraço dos que não a diziam. Não parava nunca. Era um grande mistério, presumia a palavra, de peito cheio de orgulho emproado.
Ria. Ria gargalhadas líquidas, como cascatas de matas escondidas e brincava por entre as chamas dormentes do pôr-do-Sol.
Um dia, na hora do jantar, a palavra gostou do céu da boca do rapaz. Acomodou-se, para uma sesta rápida. E o rapaz, sem luz de velas, sem pôr do Sol, sem cascatas ondulantes, gaguejando sem ser gago, falou do Amor. A rapariga ficou como estátua de gelo expectante.
Vendo-se assim, usada, abusada, a palavra acordou da sua sesta ofendida e saiu daquela boca jovem para não mais voltar. "Só tenho sossego na copa das árvores" dizia, enfurecida.
O rapaz, sem a palavra selvagem, não disse mais que palavras gastas, vendidas de porta em porta. A rapariga riu e foi embora.
O rapaz nunca mais falou do Amor, mas há quem diga que, ainda hoje, todas as noites, pela hora do jantar, quando as crianças descem da brincadeira na copa das árvores, um velhinho encostado ao tronco ergue os olhos para o verde, como se esperasse alguma coisa que vai cair.

domingo, setembro 11, 2005

Tempestade

Soube que o mar tinha chegado assim que abri a janela. Sentei-me no alpendre e deixei o vento despir-me. Apressado, irreflectido, sensato. O pano que cobria o meu corpo perdeu o sentido, envolto em folhas e areias e pedaços de céu. A montanha ondula sem saber para onde vai. Engole-me, envolve-me, suspiro. Elevada no ar deixo-me chorar. Pode ser que o mar chegue mais depressa.