O dia estava cor de nevoeiro e no ar mais não havia do que uma música de framboesa. No centro da praça uma estátua de pele, osso, sangue e coração. Estátua mais por hábito do que por vocação, tinha a textura da pedra e cheirava a tempo.
Sentado à sombra da estátua, todos os dias o louco da vila, solene na sua insanidade, babava e gritava a mesma história da mulher que, delirante de amor por um caixeiro-viajante, prometera a si mesma esperá-lo para um dia consumarem o nobre sentimento. O viajante, ignorante dos desvarios amorosos da mulher que só vira algumas vezes por inerência da profissão, nunca lhe havia falado dos sete filhos e da casa quente que também o esperavam no final de cada viagem.
O louco continuava a sua história, já de pé e lançando cada vez mais longe as gotas de saliva. A mulher, esperando sempre, tinha-se tornado estátua, menos por magia do que por comodidade, e estava ali, diante de todos, no centro da praça.
Tentando parecer mais respeitável, o louco compunha com dedicação os vários pedaços de pano que lhe cobriam o corpo antes de prosseguir a sua narrativa, agora com um ar mais ridículo do que antes. Em tom profético anunciou que no dia em que o viajante voltasse, a estátua ia desaparecer e só assim todos os habitantes da vila iam acreditar que ele não era louco.
Um dia amanheceu e a ladainha do louco já não era a mesma. Gritava, desesperado, que a estátua tinha desaparecido. Os poucos que lhe deram ouvidos deitaram um olhar rápido ao centro da praça e, vendo pedra no mesmo lugar, continuaram o seu caminho.
O louco da vila nunca deixou de ser louco, mas só os seus olhos viram que agora no centro da praça estavam sete estátuas pequeninas habituadas a esperar um pai que chegava sempre.
7 comentários:
Gosto da forma como as palavras da tua escrita são autênticas e sabem a humanidade.
parabéns pela escritora de alma que a meu ver és.
Somos todos pedras ou somos todos loucos?
(Está muito bonita a história.)
Já to devem ter dito muitas vezes, mas um dia podias por todas estas histórias em livro.
Só há pouco descobri o teu blog, mas acredita que desde então me tornei uma leitora assídua. Continua porque há poucas pessoas com esse dom de escrever histórias que são ao mesmo tempo belas e lições de vida.
so pa dizer k gosto de ti. e cada vez mais do que tu escreves;)
**bja**
E tu a pensar que tinhas perdido o talento para a escrita... ;)
rua da oura:PP the place to be:PP bjs...juanito_brooklin@hot
já li isto quatro vezes. vou ler mais quatro, e depois vou ler a da estrela cadente pela décima vez, e depois vou ler o resto do blog. no fim disso tudo, vou trabalhar. nao. afinal nao. vou trabalhar e volto cá logo. que grande conto. parabéns.
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