quinta-feira, agosto 07, 2008

A caixa de guardar corações

Era grande a curiosidade em conhecer o Bruxo. Em saber o que era exactamente um bruxo. O que fazia. Que formas assumia. Qual o seu cheiro.
Não era raro ouvir a avó comentar com a mãe que "era melhor ir ao Bruxo", assim mesmo, em palavras sussuradas, quase transparentes. Outras palavras usava o pai quando socava a velha mesa de madeira e, com o seu hálito embriagante, exigia que se comesse em silêncio. Palavras roxas, nauseabundas, que cresciam e se alimentavam de luz.
Numa noite corajosa decidiu-se a conhecê-Lo. Deixou as sandálias rotas no quarto e mediu cada passo no soalho ruidoso da casa até sentir nos pés o bafo da terra quente do quintal.
Andou devagar e sem tempo até encontrar uma porta entreaberta. Na divisão abatida, pequena, vazia, só um homem sentado numa esteira. Não, não era o bruxo. Era um velho, muito velho. Cansado. Sozinho.
Disse-lhe "Chegaste" e o menino não compreendeu. Com as mãos senis estendeu-lhe uma pequena caixa de madeira. Escura. Gasta. Velha. Pesada.
"O que é?" perguntou o menino.
"É uma caixa de guardar corações. E é aí que vais levar o meu".

4 comentários:

Anónimo disse...

Toda a gente devia ter uma não era? *

ANNUNCIATA disse...

E tu levas o meu na sombra que te acompanha pelos caminhos que tens a seguir...

***

Anónimo disse...

Muito bom.

Mesmo, Sarinha...

Cuida a parte que te dei.

Graça Salgueiro disse...

Acho que nunca comentei um texto teu. E não foi a falta de vontade que me fez acomodar. Simplesmente gostava de to dizer pessoalmente, mas visto que andas perdida lá pós "Algarves/Caminha/Lisboa". Bem, não é isso que interessa.
Há cerca de uma semana, nesta minha rotina do"nada para fazer", pus me a divagar por essa comunidade blogueira. Encontrei blogues fantásticos (destaque para o profeta-diario.blogs.sapo.pt - eu sei que gostas do Harry Potter, Sarinha)...Estou a divagar outra vez!
Bem, nesta minha viagem blogueira encontrei um texto teu algures. E li de forma mais profunda cada palavra que foi escrita por ti. A verdade é que, desde então, muitas vezes venho aqui ao teu blog ler essas histórias que tu tão bem contas. Muitas vezes fico fascinada com a verdade das tuas palavras:"Sempre pensei que o amor doía"; esboço sorrisos com as recordações que aqui ficaram imortalizadas de uma forma tão bonita.
Que grande testamento!Vês, é assim que fico quando venho ao teu blog, com vontde de escrver, mas nem todos têm o dom de transformar a "prosa em poesia":)
Não deixes de escrever.

beijinhos*