domingo, novembro 07, 2010

Sem saída

Deitada, como sempre estava, sentiu o cheiro familiar da cebola a dourar no azeite. Ouvia a filha cantarolar uma qualquer melodia inventada enquanto o sol se punha, preguiçoso.

Quis voltar-se na cama, mas não a chamou. Doía-lhe aquela dependência esmagadora de amor-próprio, aquele lento desgaste de dignidade. O cantar aliterado era reconfortante. Fechava os olhos e era ela quem cantava, cozinhava e geria uma casa de sete. Era ela quem voltava os filhos na cama, quem supria as suas necessidades infantis.

Acordou da fantasia, velho traste imóvel, com o bater exacerbado da porta. Aquele bater de porta que dissolvia cheiros, sons e sabores. A cantoria parou e logo um silêncio atemorizado, nauseante.

Não tardou a ouvir o grito masculino, mote viril de um poder cobarde que se alimenta de vida e alegria. Não voltou a ouvir a voz límpida da filha até que o som de uma bofetada se impôs, eco repetido de um pesadelo real. Um pequeno grito, agora abafado, tímido, já não límpido, já não cantarolado.

Não gritou também ela, não chorou. Encolheu-se mais nos lençóis e rezou baixinho à morte, para que chegasse depressa.

1 comentário:

Mónica disse...

Sí, ya lloré .Pero ahora estoy más sensible .Es muy triste , pero como siempre me encantó .Otra cosa , pasaron 18 días desde el último . ¿Creías que no me diera cuenta?