quinta-feira, dezembro 30, 2010

Quadro

Nunca se interessara por pintura ou escultura e, no geral, tinha uma certa aversão à palavra exposição. Soava a tédio unilateral, desinteressante, sem envolvência. Acabara perdida naquela mais por falta de propósito do que por intenção, arrastada pelas amigas apreciadoras e entendidas.

Caminhava frente aos quadros, desatenta, alheada, quase insolente. Um pouco atrás do grupo, desfilava indiferente aos comentários entusiasmados, às exclamações de aprovação e aos esgares de repúdio. Foi então que uma qualquer forma atípica de magnetismo lhe atraiu o olhar para a pintura.

Azul.
Azul.
Azul.

O mar azul, a ilha azul, azul o céu também. Eram as sombras que definiam os limites no azul forte e vivo que inundava toda a pintura. Cenário de tempestade, de naufrágio, de noite cerrada que tenta amanhecer.

Sentiu uma atracção quase doentia pelo quadro e, mergulhada num torpor hipnótico

Quanto custa?

À estupefacção volteada das amigas sobrepôs-se o valor. Assustador, desmedido, imenso. À falta de fonte de tais rendimentos, passados alguns meses, esqueceu quadro e paixão.


Quando, anos mais tarde, a terrível notícia lhe chegou aos olhos, era o quadro vivo à sua frente. Cenário de tempestade, de naufrágio, de noite cerrada que tenta amanhecer. A onda abateu-se também, invencível, sobre ela e também ela desapareceu. Nunca um quadro custara semelhante valor.

1 comentário:

Mónica disse...

Gracias por haberme hecho un año distinto con tus historias y haber cumplido tu palabra.Espero que el año que viene en lugar de ser 36 historias sean 100 , pues nunca me cansaré de leerlas .Un beso muy grande de tu prima que te quiere. Mónica.