Não sabe como ficou assim. Já nem sabe quando. O mal-estar chegou levemente e deu lugar a uma irritação espontânea, que a pouco e pouco se foi ancorando como navio cansado de viagens. A alegria alheia causava-lhe uma impaciência que abeirava a cólera e as gargalhadas, os sorrisos, os abraços eram, para ele, um repugnante espectáculo de humanidade.
Reconhecia-lhes, aos outros, as expressões. Num qualquer tempo passado, como noutra vida, recordava-lhes o efeito na sua própria face, o calor ruborizado, a tensão ascendente dos lábios arqueados, o impulso ancestral do contacto físico. Perdeu-os.
Não sabe como. Já nem sabe quando.
No autocarro, como todos os dias, ergueu um silêncio imponente em sua volta, vítima de uma quarentena auto-prescrita. Olhou o chão enquanto murmurava pensamentos soltos, tentativa inútil de evitar que a felicidade dos outros lhe penetrasse o sistema nervoso.
No banco da frente, uma criança ria. Puxava os cabelos da mãe e ria desalmadamente.
Ele irritava-se.
Irritava-se a mãe.
A criança puxava e ria, ria, ria.
No banco da frente, a mãe eleva a mão aberta, remo pronto a abater-se sobre as águas agitadas da criança, e ele, firme, agarra-lhe o pulso com uma veemência tal que a mulher temeu nunca mais recuperar a vida do membro cativo.
Não sabe como. Mas sabe quando e porquê.
"não me perguntes quem sou. não me perguntes nada. eu não sei responder a todas as perguntas do mundo. pousa os lábios sobre a página. devagar,muito devagar. vamos beijar-nos."
domingo, janeiro 23, 2011
Revolto
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1 comentário:
Gracias por tus maravillosas palabras .Está visto que la insistencia tiene su efecto .Ya sólo te faltan dos esta semana .Te quiere , tu prima, " la desinteresada .
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