A caminho da igreja lembrava a visita do dia anterior à cunhada. Nem o sol do meio-dia, cruelmente aferrado ao eterno luto das roupas, interrompia a ladainha mental da mulher que, uma e outra vez, revia a desgraça da cunhada entrevada. Revia o seu alheamento apático, o seu silêncio de tumba, os seus (raros) dizeres desconexos e incoerentes, as suas memórias toldadas e remexidas, as suas chagas de corpo acamado, a sua apressada doença de nome estrangeiro.
Ao som dos seus passos arrastados de 83 anos, a mulher tentava aclarar as lembranças de há um mês atrás, aquelas em que a cunhada, dando-lhe o braço à saída da missa, a arrastava num andar tremendamente forte e veloz, num passo que uma não acompanhava e de que a outra não abdicava. Lembrava-lhe o rosto espontâneo sob a ternura dos cabelos alvos, comovedoramente semelhantes aos do irmão de uma, dolorosamente parecidos com os do marido de outra.
Pousando a mão sobre a porta da igreja, temeu o dia em que ficasse, também ela, reduzida a sombra de si própria e, assombrada pela pungente imagem, agradeceu aos céus a lucidez .
Já dentro do edifício, saboreou por uns momentos a frescura que as paredes de pedra guardavam e, ajoelhando-se, começou a rezar. Ainda não chegara ao fim da oração e uma tempestade ergueu-se-lhe no fundo das entranhas.
Também o seu mundo escurecia.