sexta-feira, julho 23, 2010

De fadas

O Sol já se deitava no oceano mas o calor ainda era peganhento, húmido, quase pantanoso. O peditório era voluntário, sim, mas era inevitável a cada um dos presentes, de latinha a tiracolo e autocolantes na mão, sentir aquele incómodo molhado de quem foi ininterruptamente lambido por um qualquer, ainda que amigável e bem-intencionado, ser canino.

Quando o miúdo passou, absorto no conteúdo monetário da própria mão, perdido em somas, divisões e provas-dos-nove, ela decidiu abordá-lo, divertida.

E tu, pequeno, não queres ajudar?

Levantou a cabeça mas não olhou de imediato para ela. Sacudiu a cabeça, piscou os olhos duas vezes, como quem deixa um processo complexo em suspenso, e procurou a fonte da voz. Ela voltou.

Vejo que tens umas moedas. Não queres ajudar os meninos mais pobres que tu?

Disse-o com a inocente vaidade de quem é mentora de uma lição de vida gratuita, de quem exerce uma boa acção que, num espírito tão jovem, parece sempre dar mais frutos ou, pelo menos, mais contentamento. Por isso a resposta da criança a exasperou tanto.

Estas moedas são para um gelado. Eu até as dava mas vem aí a Fada dos Dentes e ela também pode dar algumas a esses meninos.


Interrompeu o parêntesis e seguiu, como se nunca tivesse sido interrompido. Ela ainda murmurou um Egoísta! mas não conseguiu ignorar por mais tempo as gargalhadas dos colegas.

Uma mulher de cabelos brancos repuxados no alto da cabeça, coberta de tule azul e envolta numa bolha de brilho amarelo, entregava uma saquinha tilintante, igualmente azul.

Para os meninos mais pobres que o meu afilhado.

Ela nunca mais duvidou que há algo de mágico, de amplificador, de inigualavelmente real na imaginação de uma criança.

1 comentário:

Mónica disse...

Simplemente enternecedor . Sigue así .Besitos .