quinta-feira, setembro 23, 2010

Palhaço

O sol pingava, macio, na sua cara maquilhada e ele sorria, divertido, cómico,

Apalhaçado.

As gargalhadas que provocava estendiam-se pela perpendicularidade simpática da avenida, fosse pela ternura dos jactos de água cuspidos por flores de natureza felpuda, fosse pela empática gravidade da força que insistia em levar ao chão as calças balofas.

As piadas alinhavam-se em fila indiana, como as crianças, e ele distribuia-as por quem passava mesmo por baixo do seu nariz vermelho. Assim era há tempo suficiente e ele gostava que assim fosse.

Atrás da infantil multidão que o coroava, vislumbrou a filha, os seus caracóis de canela, a sua pele alva. Mas não os olhos grandes, amendoados (iam pousados no chão, como as suas calças balofas). Não o seu sorriso de mel (ia escondido, como o seu jacto de água).


Olha Mariana, é o teu pai!

O menino apontava, divertido, crueldade própria da empatia infantil.


Não, não é. É só um palhaço. 

Desapareceram por entre cabeças igualmente pequenas, igualmente indistintas, diferentes só na vergonha.

Essa noite, não houve água, creme ou loção que removesse a profundidade da maquilhagem, a intensidade do desgosto. Ficaria, para sempre, palhaço.

2 comentários:

Mónica disse...

Con tus historias haces que nos metamos en los personajes .Yo me metí en el de la niña y hasta lloré por sentirme avergonzada de que a su padre le llamasen payaso .Sigue haciéndonos tener esos sentimientos. Besos y gracias por no tardar tanto en escribir .

Jessica de Sá disse...

Sara, sabes que não há maior fã da tua alma de escritora do que eu.
Sara, sabes que ninguém segue mais religiosamente os textos que crias como ninguém.
Mas Sara, eu odeio palhaços. Não há nada que me assuste mais do que palhaços e nem consigo me alongar mais sobre este tema.

Acho que abrias uma excepção e escrevias 2 textos esta semana só para eu poder ler um :)