sábado, setembro 18, 2010

Singular

Não foi uma paixão à primeira vista, porque a vista não é dada a projectos sentimentais tal como o coração não tem pretensões de ver. Foi uma simpatia, uma empatia, um ímpeto que esvazia a mente.

Ela falava e ele sorria pelas palavras (dela) que via, coloridas, a pairar no ar.

Tens umas manchas no cabelo.

Foi dito de forma desinteressada, sem outros fins que não os de produzir som e demonstrar os seus dotes observadores. Nos ouvidos dele, porém, soou o apontar de uma falha, de um defeito que podia corrigir.

As duas manchas brancas eram, desde o berço, salpicos de originalidade, marcas de uma identidade criativa.

É para pintar.

No cabeleireiro, distraídos das singularidades daquele cabelo, fez-se a vontade de cliente para o encontro dessa noite chuvosa.

Ela, ao longe, sob um guarda-chuva que cedia a rugidos de tempestade, procurava as manchas brancas sem as encontrar. Ele, abrigado num alpendre improvisado, esperava vê-la passar. Desencontraram-se.

Semanas, meses, anos passaram e os cabelos brancos, assim negados, nunca mais voltaram a existir.

1 comentário:

Mónica disse...

Tardaste 19 días en escribirlo , pero valió la pena .Sigue siendo tan buena pero no tardes tanto .te quiero . Muchos besos.