quarta-feira, fevereiro 03, 2010

I - Último sentido

Virou-se na cama e estendeu o braço moreno para chegar à caixa. A tampa de madeira escura, lisa, envelhecida pelo sol e pela lua, cansada de ser tampa, de abrir e fechar, sem outra utilidade que não a de revelar e esconder, fez ranger os gonzos e revelou a amálgama do conteúdo.

Brincos.

Brincos.

Brincos.

De cores, formas, tamanhos vários. De mulher, todos.

A princípio era acaso. Elas partiam e esqueciam-nos nos lençóis ainda quentes, no coração ainda suspirante, na vida ainda em desordem. Ele guardava-os, mais por distracção do que por dedicação. Assim abandonados, acumulados, foram conquistando paixão de coleccionador. Esquecera já os nomes, às vezes até os rostos de quem outrora os usara. Catalogava-os por aromas, sabores, sons de suspiro e gargalhada, palavras, silêncios, ondas assoberbadas de calor e frio. Amor(es).

Não os guardava por capricho nem por vaidade. Guardava-os para o caso de algum dia querer recolher todos os pequenos pedaços de alma que foi esquecendo na história de cada brinco.

2 comentários:

Jessica disse...

perfeito*

André Monteiro disse...

Uma que ele ajudou a escrever da forma que soube e da forma que vai recordar.

;)