Aguardava estoicamente sentada na sala de espera do consultório do dentista.
O Sr. Doutor vai já atender.
Tentou responder, amável, mas as palavras embrulharam-se numa onda gigante e descontrolada que a atingiu em cheio nas gengivas inchadas, inflamadas, provocando um uivo rouco de dor. Esticou então os lábios num ensaio de sorriso mas só conseguiu compor um aspecto ainda mais ridículo à face já desfigurada, já lamentável.
Uma mão em cima da outra sobre o colo, o queixo esquecido no peito, como quem medita, como quem reza, como quem se prepara para o combate final.
O Sr. Doutor manda entrar.
Ao abrir a porta chegou-lhe aquele cheiro estranho (uma mistura de flúor e pó de dentes), que a enjoou menos do que a animou. Sentou-se na cadeira velha, cansada, com a pele já gasta de anos e anos de dores bucais com habilidades contorcionistas. A sua voz determinada sobrepôs-se ao estrépito do gingar da cadeira.
Quero que me arranque todos os dentes.
Assim. Sem mais. O dentista, mais velho e mais cansado que a cadeira velha e cansada do seu consultório, não fez perguntas. Segurou o alicate com a determinação do hábito e, um a um, arrancou todos os dentes da mulher.
Primeiro foram os incisivos. Os que começaram a doer da primeira vez que lhe partiram o coração, há tanto tempo que havia deixado de o contar.
Depois os caninos, que lhe acompanharam a dor de alma de ver a mãe numa cama, débil, senil, sem a reconhecer a ela nem a si própria.
Por fim, o dentista, extenuado, extraiu-lhe os molares. Uma dor quase insignificante que a seguiu como sombra quando perdeu o filho.
Quando saiu, sem dentes, tinha o sorriso mais feliz do mundo.
O Sr. Doutor vai já atender.
Tentou responder, amável, mas as palavras embrulharam-se numa onda gigante e descontrolada que a atingiu em cheio nas gengivas inchadas, inflamadas, provocando um uivo rouco de dor. Esticou então os lábios num ensaio de sorriso mas só conseguiu compor um aspecto ainda mais ridículo à face já desfigurada, já lamentável.
Uma mão em cima da outra sobre o colo, o queixo esquecido no peito, como quem medita, como quem reza, como quem se prepara para o combate final.
O Sr. Doutor manda entrar.
Ao abrir a porta chegou-lhe aquele cheiro estranho (uma mistura de flúor e pó de dentes), que a enjoou menos do que a animou. Sentou-se na cadeira velha, cansada, com a pele já gasta de anos e anos de dores bucais com habilidades contorcionistas. A sua voz determinada sobrepôs-se ao estrépito do gingar da cadeira.
Quero que me arranque todos os dentes.
Assim. Sem mais. O dentista, mais velho e mais cansado que a cadeira velha e cansada do seu consultório, não fez perguntas. Segurou o alicate com a determinação do hábito e, um a um, arrancou todos os dentes da mulher.
Primeiro foram os incisivos. Os que começaram a doer da primeira vez que lhe partiram o coração, há tanto tempo que havia deixado de o contar.
Depois os caninos, que lhe acompanharam a dor de alma de ver a mãe numa cama, débil, senil, sem a reconhecer a ela nem a si própria.
Por fim, o dentista, extenuado, extraiu-lhe os molares. Uma dor quase insignificante que a seguiu como sombra quando perdeu o filho.
Quando saiu, sem dentes, tinha o sorriso mais feliz do mundo.
5 comentários:
Não te conhecia este tom mas ficam-te bem os sentimentos contados a sangue frio.*
Muito muito bom, é um prazer ler todas as palavras deste blog ;)
Olá Sara, desde que descobri o teu blogue tornei-me leitora assídua. Gosto muito dos teus textos e da forma como escreves.
Nunca tive dores nos dentes. Mas, de repente, percebi que tinha o sorriso amarelo...
A ver se mantenho os meus dentinhos... **
Enviar um comentário