Era assim, agora, no número 22 da Rua D. Nuno Álvares Pereira. Nas cordas, a roupa pairava sempre, fantasmagórico entretenimento de uma alma alheada.
Lençol, toalha, pano, meia, meia, novamente lençol.
A ordem variava: por cor, por tamanho, por modelo, por capricho, mas não faltava nunca roupa estendida. A máquina não tinha descanso, o tanque fazia-se assistente, lavava-se o sujo, o limpo, o assim-assim. Quando escasseava o vestuário por lavar, por abundância de estender, a mulher recorria a cortinas, tapetes, colchas, edredões, têxteis sabidamente pouco amantes de alvoroços lavadores.
Assim estava a mulher, agora, estendedora de roupa, alheada do irmão que passava por baixo, no carro negro, comprido, fúnebre, seguido de uma multidão de corvos tristes, lúgubres, encolhidos.
Os femininos olhos desgrenhados, se assim se pode falar de olhos, estiveram sempre na roupa, na corda, fixos como molas.
De um alvo soutien suspenso, uma gota caiu sobre o carro negro. Aquela peça de roupa libertara a mulher da oceânica lágrima que lhe afogava o peito.
"não me perguntes quem sou. não me perguntes nada. eu não sei responder a todas as perguntas do mundo. pousa os lábios sobre a página. devagar,muito devagar. vamos beijar-nos."
segunda-feira, julho 12, 2010
Gota
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2 comentários:
Esas cuerdas nunca más volverán a ser las mismas.Las mismas que vieron , en una feria medieval , como una chica se sonrojaba desde el balcón mientras veía a un músico que le tocaba desde la calle.Las mismas que fueron cómplices de una sobrina que le tiraba vasos de agua a su tío que vivía en la casa de abajo.Sólo serán aquellas cuerdas que vieron cómo una madre enferma se despedía de su adorado hijo por última vez.Os quiero.
Muito triste,mas tão intenso e profundo. Adoro-te minha princesa
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