quarta-feira, agosto 11, 2010

Gelo

O médico deu-lhe a notícia sombriamente, numa qualquer manhã soalheira de Julho que a entranhou de Inverno. Não teve medo de morrer, não pensou em tudo o que ainda queria fazer, não sentiu pena de si própria.

A mãe.

A mãe teria medo que ela morresse. A mãe pensaria em tudo o que ainda queria fazer com ela. A mãe teria pena de não morrer na sua vez.

Deixou o carro no parque do hospital e foi a pé até casa, pensativa, molhada por todas as pequenas gotas que o tempo deixava cair de si próprio.

Ia chegar a casa, preparar um chocolate quente, ligar à mãe para que viesse e esperá-la à janela, vendo cair todos os pequenos flocos de neve que mais ninguém via.

Tudo isso aconteceu, dentro de si, a caminho de casa. Mas, por fora, era o seu portão, o seu jardim, a mãe de joelhos,

um sorriso-verão de mãe-terra.

Oh, já chegaste. Queria fazer-te uma surpresa, arranjar-te as rosas, deixar-te o jardim bonito. 

A mãe, notando qualquer sombra no rosto da filha, franziu o sobrolho, sulcando na testa uma ruga vertical, um abismo de pressentimento temeroso que nunca mais a deixou.

Ela sorriu, já Outono, e ajoelhou-se Primavera, para a tranquilizar. 

Não é nada. 

Cancro é palavra-gelo para o coração quente de uma mãe.

4 comentários:

Lila* disse...

Este post esta tao perfeitinho*

Tulha disse...

E de uma filha.

(tão bonito*)

Anónimo disse...

parabéns, mais uma vez muito bom!

Mónica disse...

Eso se llama pensar en los demás y nunca en uno mismo. Muy triste pero sincero. Besitos.