O médico deu-lhe a notícia sombriamente, numa qualquer manhã soalheira de Julho que a entranhou de Inverno. Não teve medo de morrer, não pensou em tudo o que ainda queria fazer, não sentiu pena de si própria.
A mãe.
A mãe teria medo que ela morresse. A mãe pensaria em tudo o que ainda queria fazer com ela. A mãe teria pena de não morrer na sua vez.
Deixou o carro no parque do hospital e foi a pé até casa, pensativa, molhada por todas as pequenas gotas que o tempo deixava cair de si próprio.
Ia chegar a casa, preparar um chocolate quente, ligar à mãe para que viesse e esperá-la à janela, vendo cair todos os pequenos flocos de neve que mais ninguém via.
Tudo isso aconteceu, dentro de si, a caminho de casa. Mas, por fora, era o seu portão, o seu jardim, a mãe de joelhos,
um sorriso-verão de mãe-terra.
Oh, já chegaste. Queria fazer-te uma surpresa, arranjar-te as rosas, deixar-te o jardim bonito.
A mãe, notando qualquer sombra no rosto da filha, franziu o sobrolho, sulcando na testa uma ruga vertical, um abismo de pressentimento temeroso que nunca mais a deixou.
Ela sorriu, já Outono, e ajoelhou-se Primavera, para a tranquilizar.
Não é nada.
Cancro é palavra-gelo para o coração quente de uma mãe.
"não me perguntes quem sou. não me perguntes nada. eu não sei responder a todas as perguntas do mundo. pousa os lábios sobre a página. devagar,muito devagar. vamos beijar-nos."
quarta-feira, agosto 11, 2010
Gelo
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4 comentários:
Este post esta tao perfeitinho*
E de uma filha.
(tão bonito*)
parabéns, mais uma vez muito bom!
Eso se llama pensar en los demás y nunca en uno mismo. Muy triste pero sincero. Besitos.
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